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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

AS TEORIAS MAIOR E MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA



Sâmara Rhafaela Antunes de Araújo Guimarães
Acadêmica do 9° período de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de discorrer brevemente sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e sobre a aplicação da teoria maior e menor no ordenamento pátrio, bem como algumas de suas particularidades, esclarecendo os pressupostos e função dessa teoria como garantidora da própria pessoa jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: desconsideração da personalidade jurídica, direito comercial, direito empresarial, teoria maior e menor da desconsideração, autonomia patrimonial, responsabilidade, obrigações da sociedade, sociedade empresária, desconsideração no código de defesa do consumidor, dano ambiental, direito do trabalho.

1. INTRODUÇÃO

O princípio da autonomia patrimonial resguarda o patrimônio das sociedades empresárias, distinguindo-o do patrimônio dos seus integrantes, por isso as obrigações pessoais destes, em regra, não atingem o patrimônio da sociedade regularmente constituída. Da mesma forma, as obrigações assumidas pela sociedade não devem atingir o patrimônio pessoal dos sócios, já que esta é titular de seus encargos, celebrando obrigações em nome próprio. 
Ocorre que, em virtude da separação do patrimônio da sociedade e de seus integrantes, pode aquela ser utilizada como meio de fraude a credores e direito de terceiros, através do desvio de sua finalidade e confusão patrimonial. Nesses casos, o ilícito cometido permanece resguardado pelo véu da personalidade jurídica da sociedade, tornando-se necessário o afastamento temporário da personalidade própria da pessoa jurídica, para que assim seja a fraude corrigida e o credor satisfeito em seu direito.
A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica independe de previsão legal, não sendo taxativas as hipóteses que autorizam sua aplicação, ainda que o ordenamento pátrio tenha tratado de situações que se concretas permitem o emprego desse instituto. As hipóteses normatizadas ou não se sustentam, principalmente, em duas vertentes da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a maior e a menor, objetos foco do presente artigo.

 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA APLICAÇÃO

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ingressou no ordenamento pátrio no final dos anos de 1960, numa conferência de Rubens Requião, contudo, os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho, em seu curso de Direito Comercial, tiveram como principal sistematizador Rolf Serick, em 1955, que pesquisando a jurisprudência norte americana definiu parâmetros para a aplicação da disregard doctrine.
Esses critérios apontam, em resumo, que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve ser realizada ante o desvirtuamento da finalidade da pessoa jurídica, quando, para impedir a realização do ato fraudulento ou que importe em abuso de direito, seja necessário afastar a autonomia patrimonial entre sócio e sociedade; não sendo possível desconsiderar tal autonomia apenas pela mera insatisfação do credor.
Verificamos com isso, que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica importa no atendimento de pressupostos que sintonizam o uso desse instituto com seus objetivos, dessa forma, destacamos os seguintes apontamentos:
a) a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não tem o objetivo de anular a existência da pessoa jurídica como ente autônomo, mas sim resguardar o seu patrimônio e finalidade, não se confunde, pois, com a desconstituição da personalidade jurídica;
b) a eficácia da personalidade jurídica é afastada temporariamente, no caso concreto, permanecendo válida para fins diversos daqueles que ensejaram seu afastamento, assim, a desconsideração abrange somente o objeto do julgamento e não todos os atos e contratos firmados pela sociedade;
c) a desconsideração da personalidade jurídica é aplicada quando a existência da autonomia patrimonial não permite que o ato fraudulento ou abusivo, cometido por seu integrante, em nome da pessoa jurídica, não seja a ele diretamente imputado enquanto a personalidade jurídica da sociedade não for afastada;
d) a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica não é cabível quando o que se pretende é, por exemplo, a responsabilização solidária ou responsabilidade pessoal dos sócios e administradores por atos praticados contra os interesses da sociedade, pois, nesses casos não se torna necessário o afastamento da personalidade jurídica da sociedade;
e) não é objetivo da desconsideração da personalidade jurídica o mero inadimplemento da sociedade, pois tem como função precípua de evitar o uso fraudulento e abusivo da pessoa jurídica por seus integrantes, não sendo o simples inadimplemento do crédito motivo para sua utilização.
A desconsideração da personalidade jurídica é também meio legítimo para proteger a existência da pessoa jurídica, bem como para garantir direito de credores e terceiros, quando da ocorrência da confusão patrimonial entre a sociedade e seus integrantes, já que tal situação demonstra igualmente a manipulação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Nesses casos, a denominada desconsideração inversa pode ter aplicação, em virtude da transferência, pelo sócio, do seu patrimônio para a sociedade, com o objetivo de fraudar credores ou direito de terceiros, caso em que a desconsideração afastará a autonomia patrimonial para responsabilizar a pessoa jurídica por obrigação do sócio.
Há, contudo, duas principais teorias que tratam da desconsideração da personalidade jurídica, são denominadas teoria maior e teoria menor. A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui como regra a desconsideração nas hipóteses de fraude, abuso de direito e confusão patrimonial, a ela são aplicados os apontamentos anteriormente efetuados, porém, pela teoria menor a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer ainda não estejam demonstrados os pressupostos exigidos pela teoria maior, permitindo-se, por exemplo, que o inadimplemento da sociedade, pela incapacidade solver seus créditos com seu patrimônio, seja motivo causador do afastamento da autonomia patrimonial e que os atos praticados pelos integrantes da sociedade que a levem a insolvência por má administração também justifiquem a desconsideração.

3. A APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR E MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

É pacífico na doutrina e jurisprudência pátrias, conforme ensina Fábio Ulhoa, que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica não exige previsão legal, por ser um instrumento de repressão a fraude, podendo ser utilizada mesmo nas hipóteses não contempladas pela legislação.
Mas também existem dispositivos legais no ordenamento interno que tratam de situações que, quando configuradas, tornam possível a concretização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, como é o caso do artigo 50 do Código Civil (Lei n. 10.406/2002), que assim dispõe:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

O artigo supra transcrito consagra a regra geral adotada no direito brasileiro, da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, exigindo como critério para sua aplicação que no caso concreto esteja configurado o abuso da personalidade, desvio de sua finalidade ou a confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e dos seus integrantes.
Dessa forma, quando o ato praticado em nome sociedade não deve ser a ela imputado por configurar fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial promovida por seu integrante e, diante da impossibilidade da responsabilização pessoal deste, afasta-se a eficácia da personalidade jurídica da sociedade, obrigando o patrimônio particular daquele que cometeu o ato, ou o patrimônio que foi transferido à sociedade pelo sócio, no caso de desconsideração inversa.
Ressalta-se que o citado artigo ainda menciona que a desconsideração valerá somente para certas e determinadas obrigações, o que reforça a ideia de que não se trata de desconstituição da personalidade jurídica, que continua válida e eficaz para os demais atos e obrigações que não sejam objeto do julgamento.
A teoria maior é refletida nos julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme exemplificamos:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALCANCE DO SÓCIO MAJORITÁRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial. 3. A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no art. 50 do CC/02, consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. 4. Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. 5. Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, ainda que se trate de sócio majoritário ou controlador. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (STJ - REsp: 1325663 SP 2012/0024374-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/06/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2013)

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CC/2002. TEORIA MAIOR. MUDANÇA DE ENDEREÇO DA EMPRESA. INSUFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA PRESENÇA DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DA TEORIA DA DISREGARD DOCTRINE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A desconsideração da personalidade jurídica, à luz da teoria maior acolhida em nosso ordenamento jurídico e encartada no art. 50 do Código Civil de 2002, reclama a ocorrência de abuso da personificação jurídica em virtude de excesso de mandato, a demonstração do desvio de finalidade (ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica) ou a demonstração de confusão patrimonial (caracterizada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas). 2. A mudança de endereço da empresa executada não constitui motivo suficiente para a desconsideração da sua personalidade jurídica. Precedente. 3. A verificação da presença dos elementos autorizadores da disregard, elencados no art. 50 do Código Civil de 2002, demandaria a reapreciação das provas carreadas aos autos, providência que encontra óbice na Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 159889 SP 2012/0059910-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/10/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/10/2013)

Podemos observar ainda que, pela teoria maior, necessita ser o ato praticado eivado de dolo, ou seja, é necessário que o sócio aja com vontade de fraudar credores ou terceiros com o uso indevido da personalidade jurídica da sociedade, caso em que a desconsideração alcançará somente o patrimônio do sócio que praticou a conduta ilícita ou o que dela se beneficiou. No caso de confusão patrimonial há necessidade de comprovação, no campo dos fatos, que foi ferida a separação do patrimônio da pessoa jurídica e seus integrantes apreciando-se, nos dois casos, provas da ocorrência do ato que desvirtua a finalidade da pessoa jurídica e sua autonomia.
Contudo, quando tratamos da teoria menor, observamos que os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica adotados pela teoria maior são modificados, atendendo, a desconsideração, situações para as quais, originalmente, não foi prevista. Assim, a desconsideração é empregada em hipóteses em que está ausente a fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial ou mesmo em situações que os integrantes da pessoa jurídica poderiam ser responsabilizados sem a necessidade do afastamento da autonomia patrimonial. É o que acontece na norma do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC - Lei n. 8.078/1990), caput e § 5°:

28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
[...]
 § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Constamos pela análise desse dispositivo que a legislação consumerista contemplou a possibilidade da ocorrência da desconsideração em caso de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração ou quando a personalidade da pessoa jurídica for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Isso, a princípio, vai de encontro com o objetivo do instituto, pois tendo em consideração a possibilidade de responsabilização pessoal do administrador ou sócio por ato próprio que cause prejuízo a sociedade ou a terceiros, não há necessidade de se afastar a personalidade jurídica da sociedade. Da mesma forma, ao analisarmos o disposto no § 5°, podemos perceber que o legislador optou por beneficiar o crédito contemplado pelo consumidor em detrimento da existência da pessoa jurídica, com obrigações e patrimônio próprios diverso daquele que possui seus integrantes.
No âmbito do direito ambiental a teoria menor também é aplicada, conforme se pode depreender do artigo 4°, da Lei nº. 9.605/98, que trata sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, que permite a desconsideração quando a personalidade jurídica for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente. Essa interpretação também ganhou força também na jurisprudência como podemos examinar:

AGRAVO DE INSTRUMENTO PRELIMINAR EX OFFICIO DE INTEMPESTIVIDADE DAS CONTRA-RAZÕES RECURSAIS - DANO AMBIENTAL - Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta - EXECUÇAO - PENHORA - BENS DE ALIENAÇAO RESTRITA - PERSONALIDADE JURÍDICA - DESCONSIDERAÇAO - TEORIA MENOR - APLICABILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. 1. O prazo para a apresentação das contra-razões pelo Ministério Público começa a fluir da data em que é aberta vistas dos autos ao Promotor, que terá prazo simples para manifestar-se, não se aplicando o artigo 188 do Código de Processo Civil. 2. Ao ser aberta vistas dos autos ao douto representante do MP de primeiro grau, este adotou postura de requerer ao Escrivão do Cartório que certificasse a data da publicação da decisão agravada, ao invés de apresentar de plano as contra-razões, perdendo assim a oportunidade de se manifestar tempestivamente. Contra-razões intempestivas. 3. Considerando o entendimento consagrado neste e noutros Tribunais de que a execução move-se sempre no interesse do credor e o fato dos bens ofertados pela agravante não estarem aptos a amparar o processo executivo, já que se tratam de bens de alienação restrita, a penhora deverá recair sobre o patrimônio dos sócios da empresa recorrente, atendendo-se o escopo da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que para as questões ambientais prevê a desconsideração da personalidade jurídica mediante simples demonstração de que esta (a personalidade) mostra-se como obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. (TJ-ES - AI: 24069004133 ES 24069004133, Relator: CARLOS HENRIQUE RIOS DO AMARAL, Data de Julgamento: 14/11/2006, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/01/2007)

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IBAMA. Versando os autos sobre reparação de dano ambiental, a jurisprudência e a doutrina vêm entendendo que deve ser aplicada a teoria da menor desconsideração da personalidade jurídica, lastreada apenas na comprovação da incapacidade de adimplemento da reparação do dano causado para justificar a penetração no patrimônio dos sócios.Compõe o título judicial a multa pecuniária por descumprimento das determinações no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais). (TRF-4 - AG: 25329 SC 2009.04.00.025329-0, Relator: VALDEMAR CAPELETTI, Data de Julgamento: 04/11/2009, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 16/11/2009)

Assim, a falta de bens suficientes da pessoa jurídica para ressarcir o dano ambiental causado, enseja a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, sendo necessária a mera insolvência da sociedade. Privilegiou-se, nesse caso, a coletividade, a proteção ao meio ambiente, em detrimento da existência própria pessoa jurídica e do patrimônio pessoal dos seus sócios.
Utilizando como fonte subsidiária o Código de Defesa do Consumidor e a legislação ambiental, também, na ceara trabalhista, consolidou-se a teoria menor da desconsideração, ainda que em alguns julgados perceba-se que pressupostos da teoria maior sejam considerados, vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem manteve a sentença mediante a qual determinado o -redirecionamento da execução contra o sócio da reclamada-, bem como declarada -fraudulenta a alienação de cotas que- o mesmo -possuía frente a uma clínica pediátrica-, -as quais foram transferidas, na sua totalidade, para sua companheira-, ao registro de que -o sócio em evidência retirou-se do quadro societário da clínica pediátrica após ter sofrido constrição judicial nos autos da carta de sentença apensada aos principais-, -permanecendo no efetivo controle dos negócios, não passando tal conduta de manobra maliciosa-, -visando burlar a lei prejudicar credores e terceiros-. 2. Eventual ofensa ao art. 5º, II, da Lei Maior, em hipóteses como a dos autos, somente ocorreria de forma reflexa, o que não atende às exigências do art. 896, § 2º, da CLT . 3. Impertinente a indicação de ofensa aos incisos XIII, XVII e LV do art. 5º da Carta Magna, que não disciplinam a matéria em debate, relativa à desconsideração da personalidade jurídica e ao reconhecimento de fraude à execução. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST - AIRR: 764003820045020033  76400-38.2004.5.02.0033, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 28/08/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/09/2013)

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. É possível estender aos bens particulares dos sócios ou administradores da pessoa jurídica a responsabilidade pelo inadimplemento de verbas trabalhistas adquiridas pela sociedade administrada. Em caso de desconsideração da personalidade jurídica, é possível a inclusão de todos os sócios ou administradores no pólo passivo da demanda, sendo cabível agravo de petição em face de decisão que indefere a inclusão de sócios e administradores no pólo passivo da execução. Agravo ao qual se dá provimento. (TRT-1 - AGVPET: 1067003120005010039 RJ , Relator: Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Data de Julgamento: 24/10/2012, Sétima Turma, Data de Publicação: 2013-01-16)

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica aplica-se no Direito do Trabalho, quando verificada a insuficiência de bens da empresa, sujeitando o patrimônio de qualquer dos sócios à execução, com objetivo de impedir a consumação de fraudes e abusos de direito. A responsabilidade atinge também os ex-sócios que integraram a sociedade durante o período do contrato de trabalho do empregado. Recurso provido. (TRT-1 - AGVPET: 4595720105010047 RJ , Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 25/01/2012, Sexta Turma, Data de Publicação: 2012-02-02)

EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, não demanda prova de desvio de finalidade, ou confusão patrimonial. Porém, é necessário provar a insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações. (TRT-1 - AGVPET: 535007820075010067 RJ , Relator: Gustavo Tadeu Alkmim, Data de Julgamento: 10/04/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: 2012-05-02)

Logo, averiguamos que, em regra, a desconsideração da personalidade jurídica nas demandas trabalhistas é efetuada pela mera insolvência da sociedade, atingindo todos os sócios e não somente aqueles que, com vontade, realizaram o ato ou dele se beneficiaram. Há ainda, por vezes, a presunção de que a inexistência de patrimônio da pessoa jurídica é devido à fraude praticada por seus integrantes, sem provas e contraditório prévios e que a desconsideração deve também ser utilizada para evitar fraudes posteriores. O uso do instituto da desconsideração também é realizado ainda quando possível a responsabilidade pessoal dos integrantes da pessoa jurídica.  Nesses casos a natureza alimentar do crédito trabalhista e a hipossufiência do trabalhador realiza, em determinados casos, não só a desconsideração da pessoa jurídica, mas sua desconstituição, por ampliar os efeitos daquela de tal forma que o prosseguimento da atividade empresarial se torna inviável.
Portanto, ainda que seja a teoria maior regra em nosso ordenamento, a teoria menor, reconhecidamente tem sido utilizada, o que pode significar a priorização de princípios e fundamentos em colisão, satisfazendo não só os interesses da pessoa jurídica, mas os da coletividade e da parte hipossuficiente da relação jurídica ou o desvirtuamento do instituto da desconsideração, que sem regulamentação de procedimento, tem sido usado além das hipóteses elencadas na teoria maior, comportando uma gama de situações que acabam por invalidar a existência da própria pessoa jurídica.

4. CONCLUSÃO

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem como principal objetivo proteger a pessoa jurídica dos atos de fraude e abuso cometidos pelos seus integrantes, garantindo a separação patrimonial, para que o patrimônio daquela não seja atingido por tais atos. Da mesma forma, abrange a confusão patrimonial, para asseverar que os bens da sociedade não sejam confundidos com os dos seus sócios.
Porém, a desconsideração é efetuada não somente atendidos a estes pressupostos, isso ocorre na denominada teoria menor, aplicada em determinadas situações, como nas elencadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 
É reconhecida a validade da aplicação da teoria menor, todavia, enquanto não regulamentado o procedimento judicial que decreta a desconsideração, não se pode ignorar as hipóteses em que há abuso do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que não tem o fim originário de garantir o adimplemento do credor e sim a própria existência da pessoa jurídica.

5. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis tributárias e trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência). 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL, Código civil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

________, Consolidação de defesa do consumidor. Lei n. 8.078 de 11 de setembro de 1990.

________, Lei n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998.

COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial: empresa e estabelecimento e títulos de crédito. volume 1. São Paulo: Saraiva, 2012.


____________________. Curso de direito comercial: sociedades. volume 2. São Paulo: Saraiva, 2012.

NAHAS, Thereza Christina. Desconsideração da pessoa jurídica: reflexos civis e empresariais no direito do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

APLICABILIDADE DAS QUOTAS DE JOVEM APRENDIZ PARA MOTORISTAS E COBRADORES

Gen Max de Almeida Durães, acadêmico do 9º Período de Direito no segundo semestre de 2013 da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
        Nuria Lacerda Sandes,  acadêmica do 7º Período de Direito no primeiro segundo de 2013 da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.


RESUMO: Com o advindo da obrigatoriedade do empregador ter em seu quadro quota mínima estabelecida na CLT para empregados na condição de jovens aprendizes, o empregador passou a ter uma dúvida observando que algumas funções não são aptas para empregados que preenchem os requisitos de jovem aprendiz. Desta maneira, o presente artigo visa estabelecer um posicionamento em relação a possibilidade aplicabilidade de quotas de jovem aprendiz especificamente para as funções de motorista e cobrador.

PALAVRAS-CHAVE: jovem aprendiz, menor aprendiz, funções inaptas, quotas, direito do trabalho, cobrador, motorista.

SUMÁRIO:
Introdução. 1.Da quota de jovem aprendiz para a função de cobrador. 2. Da quota de jovem aprendiz para a função de motoristas.  Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 (art. 7º, XXXIII) proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos e de qualquer trabalho a menor de 16 anos, salvo se aprendiz a partir de 14 anos. A amplitude desse comando constitucional ressalta que não mais perpetuam dispositivos que validem contratação de trabalhadores menores de 18 anos que seja restritiva de direitos trabalhistas. Com exceção a três situações jurídicas, a saber: o contrato de estágio, o trabalho educativo e o contrato de aprendizagem.
Nesse sentido, o contrato de aprendizagem, evidenciado pela própria Carta Magna e disciplinado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seus artigos 428 a 433, deve ser entendido como contrato de trabalho especial com todos os direitos típicos trabalhistas, ainda que com algumas restrições e especificidades. Conforme a lei, o pacto é firmado por escrito, pelo qual o empregador se obriga a garantir ao jovem de 14 a 24 anos formação técnico-profissional metódica conciliável com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O jovem aprendiz deve ser obrigatoriamente contratado pelas empresas, perpetuando seu contrato de aprendizagem com duração não superior a dois anos.
 A obrigatoriedade é um dos alicerces do contrato de aprendizagem, visto que absorve a força de trabalho existente nas instituições de formação, tendo o aprendizado a correspondente aplicação prática. As quotas de jovem aprendiz são estabelecidas pela CLT em seu art. 429, que rege:
“Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.”
O dispositivo referido tornou uma obrigação legal o emprego de quotas para as funções aptas de acordo com o regramento jurídico em geral, observando normas que dispõe acerca de regramentos trabalhistas, incluindo a própria CLT e outras convenções trabalhistas.
No âmbito deste tema, várias sociedades empresárias de transporte coletivo público ingressaram com mandados de segurança de caráter preventivo para evitar sanções do Estado e levantar a discussão se as funções de motorista e cobrador são computáveis nas quotas de jovem aprendiz.
Este estudo faz-se relevante a fim de estabelecer um posicionamento jurídico do acerca das quotas de jovem aprendiz e seu computo em relação às funções de motorista e cobrador nas empresas de transporte coletivo.

1. DA QUOTA DE JOVEM APRENDIZ PARA A FUNÇÃO DE COBRADOR
     
 Os cobradores de ônibus são responsáveis pela organização e fiscalização das operações dos ônibus e outros veículos de transporte coletivo como, condições de operação dos veículos, cumprimento dos horários e atendimento aos usuários. No que tange a esta função, a principal linha de defesa para a exclusão da categoria de cobrador do computo das quotas de jovem aprendiz é a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada no Brasil pelo decreto nº 3597 de 2000, que proíbe o trabalho infantil, menor de 18 anos, para “trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança”. Tal convenção também atribui à legislação local a definição dos trabalhos que compreendidos como susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.
Atendendo ao disposto supramencionado o legislador com o Decreto 6.481/08 regulamentou as situações em que o trabalho atende as qualidades que Convenção nº 182 da OIT considera como degradantes ao menor, com destaque para os itens 62 e 72, que citam os trabalhos que envolvam transporte de pessoas ou animais de pequeno porte e o manuseio de valores, respectivamente. Esse é o entendimento da 1ª Turma do TRT-MG, em acórdão que decide que não entram na cota de contratação de aprendizes as funções de motorista e cobrador:

EMENTA: CONTRATO DE APRENDIZAGEM - NÚMERO MÍNIMO DE APRENDIZES - BASE DE CÁLCULO - MOTORISTA E COBRADOR DE ÔNIBUS URBANO. Embora as funções de motorista de ônibus urbano e de cobrador encontrem-se previstas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, devem ser ambas excluídas do número total de empregados para efeito de cálculo da cota de aprendizes que o empregador deverá admitir, por se tratar de atividades que exigem conhecimento técnico específico, manuseio de valores, além de oferecer acentuado risco em razão de múltiplos e conhecidos fatores que envolvem o trânsito nos centros urbanos. (TRT/3ª Região, 14032009-138-03-00-7 RO, Rel.Des.Marcus Moura Ferreira, 1ª Turma, 16/07/2010)

                    Porém, tal linha argumentação não foi suficiente para o convencimento de boa parte dos tribunais uma vez que a própria CLT ressalta que o jovem aprendiz pode ser pessoa de até 24 anos de idade e tais dispositivos legais só compreendem pessoas de até 18 anos, deixando os jovens de até 24 anos em qualidade apta para preencher tais quotas.
Infere-se também que o Decreto 5.598/2005 é claro ao mencionar em seu art. 11, em seu parágrafo único que caso a função seja inapta para jovens menores de 18 anos, deverão ser contratados jovens de 18 a 24 anos como possibilita a lei. Ou seja, “[...] os maiores de 18 e até 24 anos podem ser contratados como aprendizes ou empregados comuns, não havendo qualquer restrição quanto ao tipo de trabalho [...]” (BASILE, 2011, p.76).
O art. 10 em seu parágrafo 2º também se mostra em linha de pensamento oposta a exclusão do cargo de cobrador uma vez que tal dispositivo menciona, “Deverão ser incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos”.  

2.  DA QUOTA DE JOVEM APRENDIZ PARA A FUNÇÃO DE MOTORISTA

Neste caso o art. 145 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) preza:
“Art. 145. Para habilitar-se nas categorias D e E ou para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou de produto perigoso, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos:
I - ser maior de vinte e um anos;
II - estar habilitado:
a) no mínimo há dois anos na categoria B, ou no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria D; e
b) no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria E;
 III - não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima ou ser reincidente em infrações médias durante os últimos doze meses;
IV - ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN.”(Grifo nosso)

Também dispõe o já citado Decreto 5.598/2005 em seu art. 10,com destaque para seu parágrafo primeiro que:
“Art. 10.  Para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
§ 1o  Ficam da definição do caput deste artigo as, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II e do parágrafo único do art. 62 e do § 2o do art. 224 da CLT.” (Grifo Nosso)

Em análise, o próprio CTB exige que para a condução de veículos de transporte público de passageiros que o profissional tenha que ser aprovado em curso especializado e curso de treinamento, o que claramente é uma exigência técnica legal que exclui qualquer possibilidade de tal função ser executada por mero aprendiz. Além disso, a exigência de 21 anos fugir da prerrogativa legal para funções para menores de 18 anos, uma vez que a exigência legal de idade é superior. Nesse aspecto, segue acórdão proferido pela 9ª Turma do TRT/MG:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – INCLUSÃO DE MOTORISTAS E COBRADORES NA BASE DE CÁLCULO PARA DEFINIÇÃO DO NÚMERO DE A PRENDIZES A SEREM CONTRATADOS PELA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE. Basta a leitura do artigo 145 do Código Nacional de Trânsito para se concluir que a atividade de motorista de coletivos urbanos não pode ser exercida pelo menor de 21 anos. Também o item 72 do Decreto 6.841/08, que regulamenta os artigos 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, e que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação, impede que seja utilizada mão de obra de menores em atividade de manuseio de valores. Daí se concluir que essas atividades não podem ser incluídas na base de cálculo para definição do número de aprendizes a serem contratados pela empresa. (TRT/3ª Região, acórdão TRT-01154-2010-111-03-00- 4 RO, Rel.Juiz Conv.João Bosco Pinto Lara, 9ª Turma, 18/02/2011)

Ressalta-se ainda que:
“O fato  de  o Código de Trânsito, em seu artigo 145, autorizar a concessão de  habilitação nas categorias D  e  E apenas aos maiores de 21 anos, que tenham sido aprovados em curso especializado e em curso  de  treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN, em nada obsta a observância do percentual mínimo previsto no artigo 429 da CLT, haja vista que a lei não determina que o aprendiz seja enquadrado em função específica, podendo a empresa inseri-lo em quaisquer outras atividades existentes em seu quadro, quer sejam administrativas, de controle ou de manutenção dos veículos”(RO-0111700-65.2010.5.23.0001).
Além disso, salienta-se um julgado mais recente, em que a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho perpetuou decisão que ordenou ao Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Rio Grande do Sul que compreenda motoristas e cobradores na base de cálculo da cota de aprendizes, disposta no Decreto 5.598/05. Quando recorreu ao TST, tal sindicato justificava que a decisão do TRT da 4ª Região (RS) não tratou da perspectiva da contratação de aprendizes em razão das normas do CTB ou dos acordos sobre vedação de trabalhos infantis em determinadas condições, bem como afirmava a entidade que, como essas atividades não eram próprias para aprendizagem, os respectivos postos de trabalho não deveriam ser abrangidos no cálculo do número de aprendizes a ser contratado. Em decisão recente a Ministra Maria de Assis Calsing se posicionou sobre o tema no julgado que segue:

RECURSO DE REVISTA. EMPRESAS DE TRANSPORTE COLETIVO. MOTORISTAS E COBRADORES. CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZAGEM. O valor social do trabalho e da livre inciativa encontram-se entre os princípios fundamentais da Constituição da República (art. 1.º, IV), a qual também estabelece como dever da sociedade e do Estado assegurar ao adolescente e ao jovem o direito à profissionalização (art. 227). Frente a tais valores, qualquer medida que acarrete prejuízo quanto à formação de profissionais deve ser vista com cautela. O art. 429 da CLT não estabelece cota em razão das modalidades de funções existentes no estabelecimento, mas pelo número de trabalhadores, evidenciando que a discussão em apreço não se restringe à atuação de aprendizes nas funções de motorista e cobrador de transporte coletivo, conforme o enfoque dado pelo Autor. Decorre de tal entendimento, que as empresas do setor podem contratar aprendizes para frequentar curso de formação profissional relativas a outras atividades da firma. Ademais, não há amparo legal a justificar a exclusão das funções de motorista e cobrador para efeito do cálculo do percentual mínimo de contratação de aprendizes. Recurso de Revista conhecido e não provido. (TST - RR - 281-73.2012.5.04.0009, 4ª Turma, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, Publicação em 23.10.2013).

Através de ponderações acerca dos princípios constitucionais que envolvem o tema a Ministra se posicionou de forma favorável as aplicação das quotas, e que estas, deveriam ser exercidas em funções diferentes, utilizando-se de uma espécie de compensação para as funções inaptas. Argumentou que o texto legislativo se refere a quotas em relação a totalidade de trabalhadores empregados pela empresa, e que, logo, deveriam ser compensadas as funções inaptas com um maior número de aprendizes nas funções administrativas, minoritárias em empresas de transporte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observados os posicionamentos acerca do tema, assim como interpretando a norma vigente, infere-se que as quotas para função de cobrador são perfeitamente possíveis, uma vez a lei é clara quanto à possibilidade de ter aprendizes maiores de 18 anos, o que retiraria a possibilidade de violar a Convenção nº182 da OIT.
Em relação a questão dos motoristas, a análise é complexa e envolve ponderação de princípios, porém, é claro o posicionamento de tanto o poder judiciário, quanto as empresas de transporte no sentido que a função de motorista não é apta a ser exercida por empregado em condição de jovem aprendiz, devido a sua exigência técnica, seria impensável achar no mercado de trabalho jovem que atendesse tanto as exigências da CLT como as do CTB. No aspecto da compensação, o Estado não deve interferir no funcionamento das empresas a ponto de obrigá-las a criarem postos de trabalho exclusivamente para atender quotas de funções inaptas a serem exercidas por jovem aprendiz. A argumentação do art. 429 da CLT dispõe sobre uma totalidade de trabalhadores, não sobre modalidades de emprego, contanto, a segunda parte do próprio art. 429 é clara ao distinguir funções, bem como se o objetivo do legislador estivesse inclinado para compensação, tal imperativo estaria disposto no texto legal e não a mercê de interpretação extensiva do texto da lei. O Estado já cumpre com a determinação constitucional pelo mero fato de estabelecer as quotas, porém este deve se limitar no tanto quanto puder a interferir nas atividades privadas.

REFERÊNCIAS
BASILE, César Reinaldo Offa. Direito do trabalho : duração do trabalho a direito de greve.  3. ed. São Paulo : Saraiva, 2011.

BARRAL, Welber Oliveira. Metodologia da pesquisa jurídica. 4.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.

BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-lei nº 5452 de 1° de maio de 1943.  In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm, ac

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011.

Funções de cobrador e motorista de transporte coletivo não podem ser exercidas por menor aprendiz. In : http://trt-3.jusbrasil.com.br/noticias/2629706/funcoes-de-cobrador-e-motorista-de-transporte-coletivo-nao-podem-ser-exercidas-por-menor-aprendiz, acesso em 17/12/2013.

Motoristas e cobradores devem entrar no cálculo da cota de aprendizes In: http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/6091141, acesso em 17/12/2013

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A base de cálculo da cota de aprendizagem. In: http://www.amaurimascaronascimento.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=780:a-base-de-calculo-da-cota-de-aprendizagem&catid=163:decisoes-comentadas&Itemid=323, acesso em 15/12/2013.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho : relações individuais e coletivas do trabalho. 26. Ed. São Paulo : Saraiva, 2011.

Tribunal Superior do Trabalho. In: http:// www.tst.jus.br, acesso em 16/12/2013.
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